Não é de hoje que o expediente adotado pelos governos para convencer os contribuintes acerca da legitimidade de sua conduta, especialmente no campo tributário, é o engodo, nas suas amplas variações. O expediente pode variar no tempo e no espaço, mas no fim, à parte as honrosas exceções vindas normalmente de governos estrangeiros de estados mais abastados, o contribuinte se descobre depenado tarde demais.
Com o Supersimples não é diferente, e se não bastassem as críticas vindas de todos os setores da economia, o concertado silêncio das esferas públicas grita aos quatro ventos quem é que de fato lucra nessa história. A sonora mudez dos governos municipais, distrital, estaduais e federal, aliás, só foi quebrada pelos primeiros quando vieram a campo exigir o cumprimento de regras de repasse, uma vez que é a este último que será entregue o butim mensal. De queda de receitas ninguém reclamou; a insurgência quanto ao necessário respeito ao repasse foi preventiva e visou apenas garantir que se desse a tempo e modo.
As queixas dos contribuintes a respeito da enorme complicação do Supersimples, faça-se justiça, têm boa parte da raiz incrustada no impacto da novidade e na necessária reorganização administrativa a que sujeita os contribuintes optantes deste regime. Uma vez passado o impacto inicial e absorvida mais uma leva de sofisticada legislação, a tendência é o contribuinte resignar-se com mais esta faceta da realidade tributária do país e tocar a vida. Com esta rotina, aliás, os contribuintes nacionais estão acostumados desde que a Constituição Federal inaugurou, em 1988, uma contínua transferência, aos contribuintes, de uma sofisticada sorte de obrigações tributárias acessórias – para além do óbvio e acachapante aumento da própria carga tributária.
Mas tudo que simplifica ou tenta simplificar – no sentido de reduzir a poucos parâmetros, comandos e verificações – traz aumento de despesas, e despesas, no contexto da consolidação prática do regime tributário em questão, são tributos. O governo sabe disso e, para tornar mais palatável este aumento da carga tributária, tem de, como se diz, dourar a pílula. Assim, pode-se vender o peixe escondendo seus óbvios defeitos, enaltecendo suas frágeis qualidades e, eventualmente, mentindo, pura e simplesmente.
Propagandeia-se, por exemplo, que há renúncia fiscal de ICMS e IPI em benefício dos optantes pelo Supersimples. Mostramos neste espaço, porém, que não há renúncia fiscal alguma no regime; que o que há, aliás, é aumento da carga destes impostos, não só para seus optantes como também para os adquirentes de mercadorias de contribuintes inscritos no Supersimples (“Veja quem paga a conta da ‘renúncia fiscal’ de ICMS e IPI decorrente da instituição do Simples Nacional para os contribuinte inscritos“, de junho de 2007).
Outra forma de aumentar a arrecadação, vê-se, é o silêncio em torno desta óbvia intenção quando o governo federal dotou o Supersimples de inúmeras tabelas por meio das quais segrega receitas e especifica as exceções do regime para mercadorias tributadas em substituição tributária. Para estes casos o regime prevê a aplicação de tabelas de recolhimento diferenciado (para o que é prevista a segregação de receitas, por meio do art. 3º da Resolução CGSN nº 005, de 30/05/2007), em que o tributo em que há recolhimento antecipado pelo regime de substituição tributária é subtraído da alíquota final a ser recolhida pelo contribuinte. Isto não anula o recolhimento já havido – basta fazer as contas – mas ao menos evita que o problema se agrave.
Ocorre que a previsão do Supersimples só vai até substituição tributária (ver art. 6º da Resolução CGSN nº 005, de 30/05/2007), deixando de fora a tributação monofásica e todos os demais casos de desoneração, como alíquota zero, não tributação e não incidência. Na monofasia há a mesmíssima repercussão do ônus fiscal do tributo no adquirente (no caso, o optante pelo Supersimples), mas este não tem uma tabela específica que lhe permita decotar do valor da tributação havida. Da mesma forma, apesar de a mercadoria poder ser adquirida sem incidência de determinado imposto, ou tributada à alíquota zero, será revendida com a tributação por falta de previsão legal desta exceção. Assim, haverá recolhimento em duplicidade caso o contribuinte não recorra a medida judicial que o evite.
Não se deve esperar dos governos municipais, distrital, estaduais e federal o perfeito aclaramento das regras do jogo, com a prévia divulgação dos pontos sobre os quais o contribuinte deve prestar muita atenção antes de fazer sua opção para que não acabe pagando muito mais do que deve, mas é justo defender o direito de não ser depenado ao vivo e em cores com tamanha desfaçatez.
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