Neste 13/08/2008, em mais um lance burlesco da novela Estado versus Contribuinte, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) acabou por deferir a suspensão de todos os processos que tramitam na justiça questionando o ICMS na base de cálculo do PIS e da COFINS. A decisão lhes mantém suspensa a tramitação até que seja julgado o mérito da Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) nº 18, medida por meio da qual a União pretende virar seu favor um jogo perdido. Por largo placar de 9 a 2, votaram contra o deferimento da liminar apenas os Ministros Celso de Mello e Marco Aurélio, que entendiam haver prioridade no julgamento dos Recursos Extraordinários originados de processos movidos há mais de dez anos pelos contribuintes e que já estavam com as votações praticamente definidas. Agora, o STF tem 6 longos meses para se pronunciar definitivamente sobre a ADC.
O que chama a atenção nesta ópera-bufa é a enfadonha cantilena sustentada pela Advocacia Geral da União (AGU) para defender seus pontos de vista. Não se ouve dizer que a manutenção do ICMS nas bases de cálculo do PIS e da COFINS é correta, é justa, é legal, é constitucionalmente defensável, é lógica, é sensata, não; nada disso. A argumentação não é nem técnica nem jurídica. Não houve, até aqui, nem um único argumento brandido pela AGU que, ouvido pelo contribuinte, o fizesse pensar duas vezes acerca de seu pleito; o fizesse corar de vergonha por querer “subtrair da sociedade recursos que lhe pertencem”; que o fizesse duvidar da solidez de seus argumentos contra o furto rude, cru e acintoso que vem sofrendo há décadas por conta de mais esse jeitinho nacional de aumentar a arrecadação à custa dos seus direitos.
O que se ouve dizer o advogado-geral da União, José Antônio Dias Toffoli, é a velha argumentação segundo a qual cumprir a Constituição Federal e a lei, tirando o imposto estadual da base de cálculo das contribuições federais, faz a União “perder dinheiro”. O que se ouve é apenas referência “ao que a União deixa de arrecadar”; só se ouvem referências às projeções de perda de arrecadação feitas pela Secretaria da Receita Federal do Brasil (SRFB), que calcula serem cerca de R$ 80 bilhões os tributos questionados pelos processos, os mesmos que foram suspensos pela liminar concedida pelo STF.
Aparentemente, o discurso estaria defendendo o interesse público, na medida em que, obrigando o governo a devolver ou deixar de recolher o que não lhe pertence, a sociedade como um todo é que estaria arcando com os custos. Não é nem nunca foi esta, porém, a questão de fundo do furto silencioso, consistente, sólido e baseado na presunção de constitucionalidade e legalidade das normas tributárias.
Quando a União abandona a discussão da obrigatória observância das salvaguardas constitucionais de proteção ao contribuinte para contrapor suposta perda de arrecadação como motivo suficiente para manter o esbulho, para justificar a tunga, é bom desconfiar. Estamos diante da farsa que vem se repetindo há décadas no país, especialmente depois que a arrecadação a qualquer custo passou a ser a ideologia que move o governo. A questão de fundo, conhecida até pelos paralelepípedos que jazem sob o asfalto da avenida Afonso Pena, em Belo Horizonte, é que é errado – para dizer o elementar – a União tributar imposto estadual. É errado arrecadar dinheiro tributando uma riqueza que não é do contribuinte, mas de outro ente público. Isto é tão evidente quanto a falta de argumentos contrários.
Não é outra a razão pela qual a União se esquiva de argumentar jurídica, constitucional, legal, lógica e sensatamente para desviar o foco para a suposta perda de arrecadação. Não há defesa de interesse público, porque a recomposição do direito do contribuinte não causará prejuízo algum à sociedade como um todo, pois de perda é que não se trata, mas de deixar de locupletar-se. E se perda pudesse ser – o que, definitivamente, não é -, consideremos a vergonhosa freqüência com que a imprensa e os órgãos independentes de pesquisa contradizem o discurso do governo, que sempre se anuncia obrigado a deixar de cumprir suas obrigações por falta de recursos e perda de arrecadação e é costumeiramente pego em contradição pelo anúncio de fatos que parece desconhecer.
O último fiasco conhecido, causado pelo descompasso entre o discurso do governo federal e a realidade dos fatos econômicos, é o do rombo que causaria a não renovação da CPMF, o que foi desmentido não só pela estonteante recuperação do mercado como também pelo expressivo aumento da arrecadação causada pela economia em crescimento, tanto no geral quanto por meio da IOF. Quanto a este aspecto, aliás, fosse o Brasil um país sério, toda a cúpula do governo federal já devia ter sido apeada do poder pela comprovadea incompetência com que lê fatos econômicos, evidentes para a imprensa, para os órgãos de pesquisa e para o leitor mediano de jornais, mas obscuros e insondáveis pelos ministros e pelo próprio Presidente da República.
O fato, porém, é que a luta não acabou. Restarão certamente frustrados os esforços da AGU na tentativa de convencer os ministros do STF de que a União teria direito, sim, de recolher para si, como contribuições sociais federais, uma parte do que os estados recolhem como impostos, mas subtraído do capital de giro do contribuinte. O acinte que representaria a vitória de uma tese dessas faria com que o Brasil não tivesse para onde descer mais.
Para consolo do contribuinte, resta a certeza de que, além de serem consistentes seus argumentos em defesa de seus direitos, ausentes ou inconsistentes os argumentos em contrário da AGU e sensato o STF na análise e cotejo de ambos, a União continua brandindo os mesmos velhos bordões, quaisquer que sejam as questões tributárias.
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