Temos visto ao longo dos últimos anos no País uma constante transferência do Estado para o contribuinte de custos da fiscalização. A estes custos, mensuráveis em dinheiro e tempo, insidiosamente vem-se somando um componente perverso cuja sutileza faz com que escape à atenção. O Poder Público vem instituindo cadastros e exigindo a prestação de informações fiscais por meio de convênios e decretos, e vem transformando as obrigações acessórias, cuja razão de ser é servir de fundamento para o lançamento, em obrigações autônomas com muito mais importância do que as principais. Esta transformação se dá com a imposição de multas desproporcionais à conduta delitiva, multiplicadas pelo período a que se referem, e ainda tendo por base de cálculo não o erro cometido ou a sua desimportância, mas o tributo cheio, mesmo que tenha sido recolhido.
Antes de tudo, evidencie-se um grave equívoco do Sintegra, complexo sistema de informações referentes ao ICMS que não foi instituído por lei: o convênio a que se refere o inciso XXII do art. 37 da Constituição Federal é para os Estados compartilharem cadastros de contribuintes e informações fiscais entre si, não para instituírem obrigações acessórias aos seus contribuintes. O compartilhamento de informações entre as esferas públicas, inovação trazida pela EC nº 42/2003, é meio de integrar as administrações tributárias das esferas públicas de modo a aperfeiçoar o sistema de arrecadação, fiscalização etc.
O que o inciso IV do art. 100 do Código Tributário Nacional garante aos convênios, porém, é o reconhecimento de que são normas complementares das leis e dos decretos, mas não de que sejam meios de instituir obrigações aos contribuintes. A salvaguarda do inciso II do art. 5º da Constituição garante a estes, aliás, o direito de só fazer ou deixar de fazer o que estiver estabelecido em lei, da mesma forma que o inciso V do art. 97 do CTN também lhes garante que as penas por eventuais infrações só podem advir da lei. Nem a Constituição Federal nem o CTN diz que obrigações tributárias, principais ou acessórias, podem ser instituídas por convênios.
A perversidade a que se referiu no início do texto é esta: à administração tributária hoje interessa muito mais instituir e exigir cada vez mais obrigações acessórias, mais e mais complexas a cada dia, do que em fazer o sistema tributário nacional funcionar a contento. Ampliar a base de contribuintes para diminuir a carga proporcional e descomplicar a vida dos brasileiros, por exemplo, parece que deixou de ser um dos objetivos do Fisco em detrimento de uma forma muito mais rápida, visível e eficaz de arrecadação, mormente com os eficientes meios eletrônicos de processamento de informações proporcionados pela internet.
Tropeçando em prazos e em obrigações cada vez mais complexas de cumprir junto ao Município, ao Estado e à União, ao contribuinte é cada vez mais arriscado, caro e – infelizmente – fácil enviar um arquivo errado, confundir códigos, omitir dados etc. O problema é que errar ou omitir dados à administração fazendária é hoje muito mais caro do que deixar de pagar o tributo. Se a obrigação principal é paga posteriormente com juros e multa, da acessória o contribuinte só se redime depois de pagar a soma dos produtos da multiplicação de várias multas calculadas umas sobre as outras, período a período.
Algumas informações: a carga tributária de 2005 subiu 1,7% em relação ao PIB de 2004. Ao todo, União, Estados e Municípios sugaram cerca de R$ 751,7 bilhões, ou seja, 38,8% do PIB. Esta consolidação ainda não está completa, pois os dados divulgados pela Secretaria do Tesouro Nacional só consideram 67,6% das prefeituras (faltam ainda 1.801 municípios). É maquiavélico: o Estado arrecada cada vez mais mas transfere para o contribuinte o custo da administração tributária, exige-lhe conhecimento profundo da complexa legislação tributária nacional, apena-o gravemente ao menor equívoco cometido e ainda faz prevalecer a idéia de que ele nada mais faz do que sua obrigação.
Conclui-se que o Estado bem que poderia usar estes mesmos engenho, criatividade e competência que demonstra no aumento da arrecadação ano após ano para construir uma sociedade mais livre, justa e solidária. O efeito colateral benéfico mais rápido seria o aumento do respeito por parte de seus súditos e a impressão de que, finalmente, alguém está usando o poder com inteligência e equanimidade.
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