Machado de Assis fez uma observação importante acerca de um ditado que corria de boca em boca já no século 19. Segundo ele, o ditado “a ocasião faz o ladrão” está errado; o correto deveria ser “a ocasião faz o roubo”, isso porque o ladrão já estava feito. A observação, ao mesmo tempo que demonstra a ironia e a perspicácia do escritor, traz à mente a evidência de que quem é ímprobo o é por inteiro e o tempo todo, não se torna ímprobo de uma hora para outra nem volta a ser probo quando somem as tentações.
Esta observação é importante porque a maior parte das demais condutas previstas no art. 482 da CLT como puníveis com rescisão do contrato por justa causa podem ser encontradas apenas no empregado, mas não necessariamente no cidadão; apenas uma vez ou outra, mas não o tempo todo. O empregado, é o que se quer dizer, pode eventualmente ser desatento, mas ser assertivo e focado a maior parte do tempo, como empregado e como cidadão. Ou ainda ser eventualmente relapso, ou descumpridor do horário de trabalho, ou pode até exagerar na bebida na noite anterior à manhã de trabalho (claro, não estamos nos referindo ao alcoolismo, mas ao consumo recreativo de bebida alcoólica) mas ser normalmente atento, pontual e sóbrio como cidadão e como empregado. As faltas disciplinares, assim, são desvios que o empregador espera emendar ao aplicar as punições, inicialmente advertindo verbalmente ou por escrito, depois suspendendo por um ou dois dias, depois por mais dias etc.
A Justiça do Trabalho, no entanto, dá razão ao empregador que pune com rescisão por justa causa logo na primeira vez em que o empregado lhe apresenta um atestado médico falso, ou um atestado médico com a data rasurada de modo a ampliar o tempo de afastamento, ou que falsifica o cartão de ponto, ou aquele que furta, destrói o patrimônio da empresa etc. Não se é acidentalmente ímprobo ou desonesto: o dolo, a vontade dirigida para o objetivo da obtenção da vantagem, é elemento do tipo. É isto que quer dizer a Justiça do Trabalho quando aceita a punição logo na primeira conduta ímproba: é o cidadão que é desonesto; trata-se de um desonesto travestido de empregado que acidentalmente faz parte dos quadros da empresa.
Mas a improbidade guarda em si uma peculiaridade que preocupa os empregadores: não é fácil prová-la. Acusar alguém de ímprobo e não conseguir prová-lo inverte a ótica por que se analisa o evento, e aí o acusador é que se vê em maus lençóis. Não adianta “ter certeza que” se não se tem prova; não adianta argumentar que “todos sabem que” se a acusação não se sustenta à falta de evidências concretas. Em se tratando de validação do poder disciplinar, controle último que é feito perante a Justiça do trabalho, temos sempre de nos preocupar com provas, e, de fato, se uma acusação não provada de improbidade costuma reverter a justa causa e ainda atrair pedidos de reparação por danos morais, temos de nos preocupar com ela.
Há uma saída, porém, a ser analisada com cuidado.
A conduta ímproba é muito próxima da desídia grave, que é igualmente punível com rescisão por justa causa na primeira oportunidade. Assim, é possível que não se consiga nunca provar que o representante da empresa que “perdeu” inúmeros cheques ao portador os tenha desviado para si, mas é aceitável que o extravio em si seja prova suficiente de que faltou de modo grave com o seu dever de zelo para com o patrimônio do empregador ao permitir que sumissem enquanto estavam sob sua guarda.
De qualquer modo, o poder disciplinar do empregador, de aplicação aparentemente simples e intuitiva, guarda peculiaridades que se devem descobrir antes que surpresas desagradáveis
ponham todo o corpo administrativo na defensiva. A CLT não é, definitivamenta, esclarecedora sobre o assunto, e assessoria jurídica especializada é desejável.
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