O Ministro Ayres Brito, do STF (Supremo Tribunal Federal), deve desempatar este ano, para o bem ou para o mal, a questão que ele recebeu empatada em 5 a 5 do Ministro Eros Grau em 2007. Trata-se de uma das maiores distorções tributárias nacionais, que ocorre diariamente nas 27 unidades da Federação no regime de substituição tributária progressiva do ICMS: a inflação artificial da base de cálculo deste imposto, recolhido antecipadamente com base em presunção que não se confirma no fato gerador, o que leva ao aumento de arrecadação sem base fática, sem aumento de alíquotas e sem aumento da base de contribuintes, à custa do comerciante.
A substituição tributária progressiva de ICMS é técnica de arrecadação por meio do qual o comerciante que se posiciona no elo final da cadeia comercial é substituído pelo seu fornecedor nas obrigações acessórias atinentes ao imposto. Isto significa que, ao adquirir a mercadoria para revenda, o substituído antecipa aos cofres públicos, pagando de seu próprio bolso – ou seja, tirando de seu capital de giro – o ICMS que só deveria recolher quando vendesse a mercadoria para o consumidor final. É o substituto que embute no preço da mercadoria os dois tipos de ICMS, o da operação própria (o que incide na operação entre ele e o substituído) e o da substituição tributária (o que incidirá na operação entre o substituído e o consumidor final).
Duas características essenciais marcam o regime de substituição tributária. Uma é que a base de cálculo da operação futura (preço de venda ao consumidor final) não existe ainda no momento em que a mercadoria é adquirida para revenda, tendo de ser presumida. A outra é que, como o regime se baseia na presunção de fato gerador futuro com recolhimento antecipado, durante algum tempo é o substituído, contribuinte de direito do imposto, o comerciante, que cumpre o papel de contribuinte de fato, o consumidor final. Em outras palavras, o Estado recolhe antes da hora o ICMS presumindo que o fato gerador ocorrerá com determinada base de cálculo, e o substituído, por sua vez, fica na expectativa de que conseguirá reaver integralmente do consumidor final o ICMS que ele antecipou ao estado com base em mera presunção.
O problema todo reside neste ponto. É bom ter em mente que quem paga ICMS é o consumidor final da mercadoria ou serviço por ele tributado, não o comerciante.
Quando o comerciante finalmente vende a mercadoria ao consumidor final, percebe que preço de venda que conseguiu praticar foi menor do que a base de cálculo sobre a qual o imposto foi recolhido na etapa anterior. O estado, sim, conseguiu o que queria, pois se garantiu receita antecipadamente, barateou os custos da arrecadação, evitou a sonegação, concentrou a fiscalização num número muito menor de contribuintes etc., mas o substituído ficou com o mico na mão: na prática, recolheu mais imposto do que deveria recolher, e pior: obtém do estado apenas não como resposta ao seu pedido de devolução da diferença.
Se o substituído pudesse escolher, não sairia da sistemática anterior de apuração do ICMS, baseada no débito e crédito. Por mais trabalho que dê a apuração do valor a recolher, no fim o contribuinte de direito recolhe ao estado apenas o que recebeu do contribuinte de fato, pois só lança como débito o valor que recebeu dele embutido no preço final da mercadoria ou serviço. Como a sistemática é imposta pelo estado e este se recusa a reconhecer a realidade e devolver o que costumeiramente recolhe a mais (a justificativa é de que o fato gerador, uma vez ocorrido, tornaria definitivo o recolhimento do imposto), mesmo diante das provas em contrário, o jeito é recorrer à Justiça e desmantelar a farsa.
Espera-se justiça fiscal por parte do STF, e justiça fiscal é estabelecer que o estado não tem direito de ficar com o que não lhe pertence alegando que devolver o que arrecada em excesso inviabilizaria a substituição tributária. Se este regime, tão bom e incensado pelas 27 unidades da Federação, só se sustenta com base na gatunagem implícita de inflar artificialmente de bases de cálculo, tanto pior. Aliás, não é à toa que os estados defendem esta forma de arrecadação com unhas e dentes.
O fato importante, porém, é que, com o desempate da questão em favor dos contribuintes, haverá a tradicional corrida dos tribunais, promovida pelos contribuintes substituídos que vêm sendo espoliados de seu capital e que, até hoje, não ajuizaram ação alguma. Mas para isso o STF já tem remédio, e o remédio é amargo.
O STF vem modulando os efeitos das decisões que profere, justamente como forma de limitar a enxurrada de novos processos que se esperam nestas circunstâncias. O último exemplo foi o da declaração de inconstitucionalidade do art. 45 da Lei nº 8.212/91, o dispositivo por meio do qual o legislador ordinário buliu com matéria reservada a lei complementar e esticou para 10 anos o prazo decadencial (que é de 5 anos) para o INSS exigir contribuições previdenciárias inadimplidas pelos contribuintes. Declarada a inconstitucionalidade, e prevendo que quem não tinha tomado providência alguma o faria então – contribuintes há que só ajuízam ações tendo certeza de que ganharão ao final – o STF determinou que a decisão só valia para os contribuintes que já tinham ações em curso, administrativas ou judiciais, e que, para os demais, continuaria valendo o que tivesse ocorrido, fossem parcelamentos autuações, confissões de débito etc.
O recado foi duro, mas o STF cumpriu sua função constitucional de interpretar a lei segundo a Magna Carta, e, ao mesmo tempo, se protegeu contra a avalanche de processos que viriam caso não tomasse providência alguma neste sentido. Em outras palavras, confirmou o velho brocardo latino segundo o qual “o direito não socorre aos que dormem”. Quem discutiu, ganhou; quem não discutiu, discutisse.
Cabe, portanto, a todos os contribuintes que comercializam mercadorias e serviços cujo ICMS é recolhido na sistemática da substituição tributária – bebidas, combustíveis, pneus, além de uma série infindável de outras mercadorias – e que ainda não ajuizaram ações judiciais para buscar seu direito ao crédito do que pagaram a mais, façam-no já, antes que a decisão que for proferida em breve pelo STF não lhes possa beneficiar.
Temos interesse em prestar-lhe toda assistência necessária à solução de seu problema.
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