A extrema criatividade que move o agente público federal no quesito arrecadação tributária faz-nos crer que se ele demonstrasse metade desse empenho no quesito racionalidade administrativa e desenvolvimento social o Brasil chegaria ao topo do mundo em três tempos. Estamos nos referindo ao eminente ato administrativo que trará os contornos finais para a inscrição de contribuintes com débitos tributários e previdenciários em órgãos de proteção ao crédito como SPC e Serasa. O anúncio desta iniciativa, travestida de exercício regular de direito encharcada da mesquinhez privada típica do capitalismo, faz-nos pensar em alguns pontos que não têm sido abordados nas manifestações mais comuns.
Não há dúvidas de que é no interesse privado que funcionam serviços de proteção ao crédito como o SPC e o Serasa. Sua função precípua, parece não haver razões para duvidar, é proteger do mau pagador o particular que fornece crédito, com a publicação dos nomes dos consumidores de bens e serviços que não honram os compromissos assumidos.
O procurador-geral da Fazenda Nacional, Luís Inácio Adams, já veio a público esclarecer que espera que a medida “funcione como um indutor para que os devedores busquem regularizar sua situação e evitar a postura devo, não nego e não pago. Mas também acreditamos que essa é uma forma de proteger quem fornece crédito no País. Dívidas muito elevadas podem indicar que determinado tomador representa um risco”. Ou o procurador-geral da Fazenda Nacional tornou-se procurador também dos bancos – que são, principalmente, “quem fornece crédito no País” – ou temos de ler na declaração o ato falho que revela a verdadeira intenção da medida.
Diz o procurador-geral que “dívidas tributárias muito elevadas” indica risco associado a determinado tomador: será mesmo? Ao Estado, é bom que se diga desde logo, não parece fazer diferença que o nome do consumidor tenha sido incluído no cadastro da Serasa pelo Banco “x”, desde que, como contribuinte, não deixe de pagar tributos. Fará alguma diferença para o Banco “x”, porém, saber que o consumidor de crédito teve seu nome incluído no cadastro da Serasa pela União porque não honrou seus compromissos como contribuinte?
Parece-nos que não.
A União precisa mesmo de “avaliar o risco” de algum contribuinte? Por que o aparelho estatal, onisciente e onipresente, precisa de mais esta medida se tem a seu dispor um amplo leque de medidas executivas judiciais? Por que precisa disso, se tem, no nível administrativo, uma série de meios de cercear a liberdade do contribuinte de contratar e estabelecer-se, negando-lhe ou limitando-lhe o acesso a alvarás de toda ordem?
A resposta é uma só: para constranger, nada mais. Trata-se de reação desproporcional e desarrazoada por parte de quem deveria comportar-se com respeito, devido aos contribuintes mais corteses de que se tem notícia no mundo. Nada mais é do que sanção política envernizada pelo arbítrio a que se deu ares de legalidade.
Não há dúvidas de que, para os devedores contumazes, a medida vale nada; para os eventuais devedores, porém, significa uma elevadíssima dose de problemas a mais. Não porque a inscrição do seu nome no SPC e Serasa se some às demais pressões naturais para que pague logo o débito e volte ao mercado de crédito, mas porque a União, como é fato notório, é sabidamente ágil e eficaz quando se trata de conturbar a vida do contribuinte e lenta e procrastinadora quando se trata de evitar ou corrigir os próprios erros.
O desalentador currículo de eventos pretéritos da União, típicos de finais de ano, como a inscrição indevida de débitos em dívida ativa para prevenir decadência, faz-nos antecipar lamentáveis inscrições de débitos depois de finda a “fase administrativa da discussão” quando o contribuinte sequer participou dela, por exemplo. Outro evento comum que conturba a vida do contribuinte, como a negativa de CND ou CPD-EN com base em critérios ilegais e arbitrários obriga-nos a antecipar os previsíveis erros em que incorrerão os serventuários na interpretação dos critérios de inclusão.
Como já concluímos em outra oportunidade, talvez o momento de pôr guizos no pescoço do gato já tenha passado. Ele já está tripudiando.
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