Dentre as obrigações que cabem ao prestador de serviços com cessão de mão de obra cumprir está a de lançar mensalmente em títulos próprios de sua contabilidade, discriminadamente, os fatos geradores, descontos feitos, contribuições da empresa e totais recolhidos de contribuições previdenciárias de cada um dos eventos. As demais são destacar nas notas fiscais os 11% sobre o valor total da nota e submeter-se à retenção deste valor por parte do tomador, que deverá recolhê-lo como contribuições previdenciárias até o dia vinte do mês subseqüente em nome do prestador.
Quando o prestador de serviços não cumpre corretamente esta obrigação de contabilizar de modo diferenciado fatos geradores, descontos e recolhimentos, os auditores fiscais do INSS impõem multa. Não há contemporização pelo descumprimento do que está determinado no inciso II do art. 31 da Lei nº 8.212/91. A lei manda, o contribuinte deve cumprir.
Mas o problema é o que acontece a seguir.
Na mesma ação fiscal, os auditores vão além, e, depois de lavrarem Auto de Infração exigindo multa pelo descumprimento da obrigação acessória concernente na contabilização especial que não foi feita, lavram outros três Autos de Infração para exigir também: (a) as contribuições previdenciárias devidas pelos empregados, (b) as contribuições devidas a terceiros e (c) as contribuições devidas pela empresa.
“Ora”, pensa o contribuinte, “posso não ter cumprido a obrigação de lançar separadamente na contabilidade, por obra civil, cada um dos fatos geradores, descontos e contribuições, mas o que tem isso a ver com o próprio recolhimento das contribuições previdenciárias? Não cumprir a obrigação de lançar na contabilidade me leva a não recolher as contribuições? De fato, se eu sofri o desconto em cada uma das notas fiscais emitidas, inclusive sendo este valor muito maior do que o que posso compensar com minhas próprias contribuições e de meus empregados, isto não é prova suficiente de que as obrigações principais estão cumpridas?”
Não, não são prova. Pelo menos, não para os fiscais, que não lhes dão a mínima.
O fato é que o cipoal legislativo previdenciário é tão grande e complexo que o legislador, mais uma vez – mais especificamente, o Poder Executivo travestido de legislador, como acontece com freqüência aqui no Brasil – vale-se desta complexidade para confundir ainda mais o contribuinte, e, como quem não quer nada, exige-lhe a multa por não ter cumprido a obrigação acessória de lançar separadamente as folhas na contabilidade, mas aproveita para exigir também as próprias contribuições que ele sabe – ou deveria saber e levar em consideração – que, logicamente, não têm como não ter sido recolhidas a tempo e modo quando há provas da retenção.
O fato é que a multa imposta pelo descumprimento da obrigação instituída no inciso II do art. 31 da Lei nº 8.212/91 encerra em si mesma todo o potencial corretivo que deve ter, ou seja, incutir no contribuinte o temor de não lançar contabilmente a operação como quer a lei, de modo a permitir aos auditores o perfeito rastreamento das operações de prestação de serviços com cessão de mão de obra. O que o contribuinte tem a fazer depois de ser multado por este motivo é adotar o procedimento exigido por lei; é corrigir seus procedimentos e adotar a técnica ali estipulada para discriminar corretamente todos os elementos essenciais da tributação da prestação de serviços.
Ao ir além e permitir a exigência das próprias contribuições previdenciárias, o legislador nada mais faz do que permitir que o INSS se locuplete ilicitamente, pois se trata de arrecadação de contribuições previdenciárias sem causa específica e justa, com correspondência nos fatos. Exigir multa por descumprimento da lei é uma coisa, mas exigir multa e mais recolhimento de tributos, quando há provas de que o recolhimento foi feito, é abjeto.
Interessante, neste caso – esta situação, aliás, é apenas mais uma das muitas em que o fisco previdenciário se mostra, no limite, próximo da desonestidade pura e simples com seus contribuintes – é que as contribuições a terceiros, que também são objeto de lavratura de auto de infração específico em ações fiscais desta espécie, não podem ser compensadas pelo prestador de serviços, sendo, portanto, recolhidas em GPS específica. É sempre a mesma situação: o contribuinte tem crédito com a autarquia pelo excesso de retenção, mas ainda assim tem de sacar dinheiro novo do próprio bolso, em prejuízo de seu capital de giro, para pagar as contribuições a terceiros.
Pois nem mesmo a apresentação das guias de recolhimento das contribuições previdenciárias devidas a terceiros – Salário Educação, SESI, SENAI, SEBRAE e INCRA – evita que os auditores fiscais lavrem o AI DEBCAD correspondente a estas contribuições. É isto mesmo, está escrito na IN SRP nº 3/1999 que o auditor fiscal deve exigir de novo as contribuições, mesmo que haja provas de que elas foram recolhidas a tempo e modo.
Por falar em sonegação, consta expressamente em cada um dos Autos de Infração lavrados em ações fiscais desta espécie exatamente isto, ou seja, que estão sendo lavrados porque as contribuições previdenciárias não foram recolhidas. O que motiva sua lavratura é o descumprimento da obrigação acessória de discriminar contabilmente a operação na forma do inciso II do art. 31 da Lei nº 8.212/91, mas a justificativa que neles consta é sonegação.
Ser acusado de sonegador tendo provas nãos mãos de recolhimento dos tributos é uma das coisas mais absurdas que um contribuinte brasileiro tem de ouvir, que se tornam ainda mais absurdas quando o auditor que lavra os autos de infração solenemente as ignora. É a mais perfeita prova da banalização do desrespeito na relação fisco-contribuinte e da arrogância de parte cada vez mais ampla da legislação tributária nacional.
O Poder Judiciário, no entanto, tem posto a questão nos seus devidos trilhos.
Tel.: (31) 3658-5761
Email: bernardesefaria@bernardesefaria.com.br
Av. Prof. Mário Werneck, 1895/601
Buritis – CEP: 30455-610
Belo Horizonte (MG)