A idéia essencial do ICMS é tributar a circulação de mercadorias e a prestação de determinados serviços de transporte. À vista desta obviedade celular, conclui-se que o pressuposto essencial do fato gerador no que diz respeito à circulação de mercadorias é a circulação em si mesma, ou seja, é o fato de um bem móvel de apreciável conteúdo econômico mudar fisicamente de um lugar para outro variando seus proprietários: sai de um lugar, vendido por contribuinte do imposto, e chega em outro lugar, comprado por outro contribuinte do imposto.
Agora, porém, a questão não é mais tão simples. Desde que entrou em vigor a EC nº 33/2001, passou a incidir o ICMS também na importação de mercadorias, operação em que não só não ocorre circulação de mercadorias como também não envolve contribuintes do imposto, pois ela entra no País com destinatário final certo e é remetida por quem não é alcançado pela legislação tributária nacional, o estabelecimento estrangeiro.
O certo é que ainda não é desta vez, porém, que o caos tributário em que se vem transformando o País começa a ser consertado: recentemente a 21ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul começou a desenhar o melancólico desfecho desfavorável da questão (autos nº 70013918685) ao negar por 2 a 1 provimento ao Agravo de Instrumento interposto pela SIDI S/A e afirmar, na decisão, que seria legal a exigência do ICMS na importação, e ainda mais, e pior, que a Fazenda Estadual pode reter a mercadoria enquanto o imposto não for pago, dando por legal o que é mera apreensão de mercadoria como meio de sanção política, a velha coação ilegal para pagamento de tributo.
Os argumentos alegados pelo contribuinte, por seu turno, são lógicos, sensatos, primam pela obviedade: ora, a SIDI S/A nem é contribuinte do imposto (é prestadora de serviços médicos) nem adquiriu a mercadoria do exterior para fazê-la circular no mercado, mas para uso próprio. Não tem como creditar-se do ICMS incidente na importação para realizar outra característica que é singular no imposto, que é a compensação do valor exigido na operação seguinte – pois esta “operação seguinte” sequer existirá. A decisão dá a entender, na prática, que agora o desembaraço aduaneiro de mercadoria – fato gerador de Imposto de Importação, de competência federal – teria passado a ser também fato gerador do ICMS, algo próximo da insanidade.
O certo, porém, é que esta tributação esdrúxula e totalmente deslocada de seu eixo constitucional – apesar de ter lá sua gênese deturpada – será posta em seu devido lugar, que é o imenso lixão em que se depositam aberrações tributárias desta espécie.
A EC nº 33, que permitiu a incidência de ICMS nas importações é resposta açodada – que ainda não passou pelo controle de constitucionalidade no Supremo Tribunal Federal – dos congressistas à reiterada jurisprudência anterior, inclusive do STF, contrariando os interesses dos Secretários das Fazendas Estaduais, de que o ICMS não incide nas importações de mercadorias pelos mesmos motivos alegados pela SIDI S/A, e mais: segundo o Ministro Eros Grau, mera referência na Constituição não cria tributo novo. E, por óbvio, esta verdadeira aberração que é o ICMS incidente na importação pode ser tudo, inclusive prova de invasão de competência tributária federal, mas ICMS, decididamente, não é.
Resta aos contribuintes continuar a lutar por seus direitos e vigiar a necessária volta do bom senso nas decisões judiciais. Decisões como esta, que infelizmente ocorrem, só deixarão de ser repetidas quando mais e mais contribuintes acorrerem ao Judiciário para fazer valer o que a Constituição Federal realmente diz.
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