Já comentamos neste espaço a falta de regulamentação da terceirização no Brasil e, principalmente, da maior conseqüência deste hiato normativo: a aplicação simplista e muitas vezes descuidada da Súmula nº 331, do TST. A súmula afirma que é ilegal toda contratação por empresa interposta que não decorra da Lei nº 6.019/74, excepciona os serviços de vigilância, limpeza e conservação e “serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador”, estabelecendo que é subsidiária a responsabilidade deste pelo adimplemento das obrigações trabalhistas do prestador omisso.
O problema é a súmula que não prevê todos os casos de terceirização possíveis, e, principalmente, joga no limbo da ilicitude, causando enorme confusão entre fisco, previdência e justiça, terceirizações lícitas e legalmente previstas, como a praticada na construção civil.
A terceirização da construção civil, aliás, está na causa da transformação da execução de obras civis em fato gerador de ISSQN. Basta verificar no item 7.02 da lista de serviços anexa à LC nº 116/2003 que só quando o executor da obra civil é contratado pelo dono da obra ou por quem recebeu uma parte dos serviços – só quando é executada por administração ou em regime de empreitada ou subempreitada – é que nasce a obrigação de pagar ISSQN. Na incorporação imobiliária, por exemplo, quando é o próprio dono da obra quem as toca, não existe ISSQN pelo só fato de que aí a execução de obra civil não é seu fato gerador.
A necessidade de regulamentação da terceirização visa a garantir meios legais de fazer com que o empregado terceirizado não fique no prejuízo de seus direitos, seja em que sentido for. A idéia é encontrar uma forma segura de garantir que, em se tornando inadimplente o seu empregador, este tenha como buscar seus direitos.
Em nosso entendimento, a normatização do assunto deveria centrar sua preocupação em ponto anterior ao do leite derramado, quando o trabalhador já foi lesado pelo seu empregador. Em vez de garantir ao trabalhador apenas o direito de buscar no tomador dos serviços o adimplemento das obrigações trabalhistas negadas pelo patrão, deveria, antes, garantir que seu empregador tivesse saúde econômico-financeira para aventurar-se no mercado, e que esta saúde pudesse ser de tempos em tempos verificada. Com certeza, todos agradeceriam se o Poder Público assumisse sua função fiscalizadora e reguladora: tomadores de serviço, trabalhadores e cofres públicos, previdenciário incluído.
Mas as tentativas de regulamentação do assunto vão de mal a pior.
Recentemente, o Projeto de Lei nº 3.132/2004 recebeu parecer favorável da Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público da Câmara dos Deputados (CTASP). Seu relator sugeriu acrescentar à CLT, insistindo em deixar de fora o Poder Público no cumprimento de suas obrigações, o art. 455-A, em que se estabelece a solidariedade, que antes existia apenas nos casos de subempreitada, para todo e qualquer tipo de contrato de prestação de serviços.
“Art. 455-A. Nos contratos de prestação de serviços a terceiros, o inadimplemento das obrigações trabalhistas pelo empregador implica responsabilidade solidária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, inclusive quanto aos órgãos da administração direta, das autarquias, das fundações públicas das empresas públicas e das sociedades de economia mista.
Parágrafo único. Ao tomador dos serviços fica ressalvada, nos termos da lei civil, ação regressiva contra o prestador dos serviços e a retenção de importâncias a este devidas, para garantia das obrigações previstas neste artigo.”
Não se quer, aqui, defender ponto de vista segundo o qual a empresa pode deixar de preocupar-se com sua obrigação de escolher corretamente com quem contrata, mas a problemática das culpas in eligendo e in vigilando seria menor, tanto quanto o risco dos trabalhadores terceirizados, se a idoneidade econômico-financeira da prestadora fosse previamente aferida no momento de seu registro, por exemplo, e regularmente verificada ao longo da atividade. Resumir a regulamentação do assunto a uma simples transferência de responsabilidade ao tomador de serviços, aumentando riscos e custos, distorcendo fatos e piorando ainda mais o preconceito que boa parte da sociedade tem com a terceirização, é perder uma ótima oportunidade de por as coisas nos seus devidos lugares.
Em resumo: vai de mal a pior a terceirização num País em que, em vez de privilegiar a livre iniciativa e a diversidade de formas de trabalho, o Congresso Nacional engessa as relações privadas adicionando mais risco e mais custo aos tomadores de serviços, numa visão anacrônica e simplista de um importante fator de desenvolvimento.
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