A bisbilhotice de que os contribuintes brasileiros são vítimas há anos no que respeita à sua movimentação financeira, preventiva e desautorizadamente, não tem paralelo no mundo atual. Tanto as instituições financeiras que recebem os depósitos quanto as que fazem os pagamentos vêm fornecendo ao governo federal detalhadas informações sobre seus ganhos e gastos. Isto não começou com a edição da IN SRFB nº 802, medida em vigor desde o dia 1º/01/2008, mas vem desde os tempos da finada CPMF, e vem se aprimorando com o tempo.
De fato, além de excelente instrumento arrecadador responsável por mais do dobro da arrecadação que o aumento de CSLL e IOF tenta recuperar para o governo federal no último pacote de dezembro, a CPMF sempre permitiu o monitoramento das contas dos contribuintes, mas só agora, com a necessidade de instituir novo instrumento de controle em substituição à extinta CPMF, é que o governo federal deixou escapar a desfaçatez com que já vinha perscrutando os dados de todo mundo, o tempo todo, preventiva, abusada e desavisadamente.
Sabe-se que é possível fazer um perfil preciso de uma pessoa pelos seus ganhos, de um lado, e por seus gastos, por outro, e que a precisão com que se monta este perfil é enorme no mundo de hoje, em que operações financeiras são conduzidas por meio de depósitos bancários do dinheiro em espécie e saques mediante cartões de crédito e débito.
O uso do dinheiro de plástico permite rastrear, operação por operação, em que cidade, local, dia, hora, minuto e segundo determinada pessoa gastou quanto e com quê. O uso de cartões que permitem este rastreamento, aliás, impôs-se na medida em que o uso do dinheiro em espécie gera desconfiança a partir de determinados limites, afora questões como segurança do usuário e prestígio decorrente das bandeiras ostentadas em cada cartão.
O problema é que estes dados referentes a itinerários feitos, serviços contratados, viagens empreendidas, estada em hotéis, almoços e jantares em restaurantes, freqüência em ambientes diversos, só deveriam ser fornecidas aos próprios usuários das contas, nunca a terceiros. Não é à toa que o mundo capitalista as disputa ferozmente e são alvos de vírus que circulam pela internet: valem ouro informações sobre hábitos de consumo do cidadão, dizem respeito à intimidade da população economicamente ativa e podem causar sérios e previsíveis constrangimentos se manuseados sem seu conhecimento.
O Ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal, já se pronunciou publicamente sobre a questão, afirmando que o fornecimento destas informações sem autorização do usuário caracteriza quebra de sigilo de informações, não importa que outro nome se lhe dê ou sob qual justificativa seja conduzida.
O advogado geral da União, José Antônio Dias Toffoli, porém, prepara um parecer para legitimar o que chama de “transferência de dados sigilosos” entre órgãos do governo. O problema é que o parecer, ainda incompleto, já conta com 300 páginas, segundo seu autor. Isto sugere que, mais do que legitimar o que é apenas “quebra de sigilo”, o catatau terá de valer-se de todos os aparatos lingüísticos, devaneios semânticos e recursos de oratória para reinventar a pólvora, para dizer que pedra não é pedra, que pau não é pau, que o que costumamos chamar de “óbvio trepado no redundante gritando o desnecessário” é apenas miragem.
Não se podem combater ilegalidades como caixa dois, lavagem de dinheiro e sonegação de impostos cometendo outras ilegalidades, ainda mais partindo do pressuposto de que são suspeitos todos os correntistas do País, prévia e independentemente de processos administrativo e judicial para apuração da questão de fundo.
Por isso, em nossa opinião, o destino deste ato normativo e de tentativas de legitimar bisbilhotices desta espécie é o mesmo dos seis artigos que tratavam das normas anti-elisivas e que foram extirpados da MP nº 66 antes que esta fosse convertida em lei: o limbo da inconstitucionalidade.
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