Temos trazido insistentemente para este espaço o efervescente tema da recente decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) acerca da inconstitucionalidade do ICMS embutido na base de cálculo de PIS e de COFINS. Finalmente, a corte suprema pôs um ponto final – e favoravelmente ao contribuinte, mais uma vez – na discussão que tinha tudo para acabar num retumbante fracasso caso prevalecesse a velha cantilena oficial do “não se pode mudar as regras senão haverá perda de arrecadação”: a corte suprema deu razão aos contribuintes e determinou que é inconstitucional calcular as contribuições sociais federais Pis e Cofins considerando o ICMS nas suas bases de cálculo.
Com esta decisão, todos os contribuintes de ICMS que entrarem com ação judicial para discutir a questão poderão não só reduzir sua carga tributária de Pis e de Cofins (que passarão a ser calculados sem considerar o ICMS incluído em suas bases de cálculo) como ainda obterão créditos para quitar débitos destes e de outros tributos federais vencidos e vincendos.
Mas a questão tem desdobramentos ainda mais surpreendentes.
O que se vê nas entrelinhas da decisão do STF é que a exclusão do ICMS da base de cálculo daquelas contribuições trará surpresas para o Fisco federal, que terá a desagradável surpresa de ver estourar no seu colo a bomba de efeitos retardados que é a velha esperteza das fazendas estaduais de incluir o ICMS na sua base de cálculo, artifício com o qual incham a alíquota nominal da mercadoria, e trará surpresas igualmente grandes para o contribuinte, que terá a agradabilíssima surpresa de ver o milagre da multiplicação dos créditos tributários de Pis e Cofins num país em que toda movimentação oficial no campo tributário costuma significar apenas sangria em seus bolsos. Explicamos.
Para saber exatamente qual é o ônus fiscal correspondente ao ICMS embutido no preço da mercadoria tributada por esse imposto, temos de proceder ao seu “descálculo por dentro”. Calcular o peso do imposto embutido no preço da mercadoria tributada de ICMS, assim, não é tão simples quanto parece à primeira vista. Em outras palavras, isto significa, para quem conhece de perto as artimanhas do cálculo “por dentro”, que uma mercadoria que custa R$ 100,00 e é tributada de ICMS à alíquota de 18% não custa R$ 82,00 quando subtraímos o imposto.
É preciso lembrar que o ICMS, além de ser calculado sobre si mesmo, considera na sua base de cálculo vários outros custos acessórios à operação tributada, o máximo que a Fazenda Estadual consegue identificar na operação de mercadorias e serviços. A alíquota comum, na prática, não é dos anunciados 18%, mas de… 20,48%! Isto, considerando apenas a incidência do ICMS sobre si mesmo.
Assim, a repercussão econômica do ônus fiscal do ICMS na base de cálculo de Pis e Cofins, neste caso do exemplo, e considerando apenas incidência em cascata do ICMS sobre si mesmo, não é de simplórios R$ 18,00 – valor destacado na nota fiscal apenas para fins de registro contábil e aplicação no regime de apuração do imposto, atinente ao princípio da não cumulatividade -, mas de exatos R$ 20,48. Assim, o preço da mercadoria do exemplo não é R$ 82,00, mas R$ 79,52.
Quer outro exemplo? A alíquota nominal de 25% que incide sobre operações de consumo de energia elétrica equivale à alíquota real de 33,35%. Faça as contas e veja por si mesmo. A transparência desta alíquota, aliás – a conta de consumo de luz é talvez a única em que se consegue visualizar o preço da mercadoria antes da incidência do imposto – fez com que os consumidores viessem bater às portas da Justiça para provar a distorção da alíquota, que, anunciada em 25%, na prática virava 33,35%, e tentar obter de volta o ICMS que vinham pagando a mais por conta do “jeitinho”.
Na venda de mercadorias, porém, o contribuinte não consegue distinguir assim o impacto do ICMS no preço, e, por isso, imagina, erradamente, que basta multiplicar o preço final da mercadoria por 0,82 – ou dividi-lo por 0,18, tanto faz – que encontraria o impacto do imposto. Ledo engano. Por aí se vê que, na prática, não é nem nunca foi do interesse das fazendas que o contribuinte seja tão bem informado quando anuncia que ele deveria sê-lo.
Em interessante artigo sobre o efeito circular de incidências em cascata, o tributarista Kiyoshi Harada lembra que o cálculo do Pis/Cofins importação, por exemplo, que também é feito “por dentro”, contém ainda mais distorções, pois incide sobre o valor aduaneiro, ao que se acrescenta o valor do ICMS incidindo sobre si próprio e sobre o valor das próprias contribuições Pis e Cofins incidindo também sobre si mesmas e sobre o valor do ICMS de novo. Ele chama o imbróglio de “samba do crioulo doido”. Daí que a soma das alíquotas nominais de ICMS e de Pis e Cofins nas operações de importação deveria ser de 27,25% (ou 18% daquela e 9,25% destes), mas encontram-se incríveis 37,46% incidentes na operação, uma diferença de 10,21% além da que se imagina estar pagando.
O fato é que, posta em discussão a distorção da alíquota de ICMS nas contas de luz, que anunciada em 25% virava 33,35% na realidade, o Supremo acabou por sancionar o cálculo “por dentro” do imposto, e a discussão acabou por perder o sentido – pelo menos por enquanto. Ocorre que, agora, o jogo virou.
Daí que a surpresa que virá para quem discutir a questão é real, e pode ser maior do que a que se poderia imaginar: trata-se de ver, na apuração de seus créditos, aumentar bastante seus ganhos: em rigor, a Fazenda Nacional sofrerá nos seus cofres as conseqüências não só de ter-se locupletado à custas dos contribuintes ao exigir deles as contribuições Pis e Cofins considerando em suas bases de cálculo o ICMS, que não é faturamento, mas também as de ter assistido passivamente à festança promovida pelos entes da Federação às custas dos contribuintes de ICMS, que vêm sendo espoliados há anos com alíquotas nominais artificialmente inchadas com os cálculos em cascata e acrescidos de todos os penduricalhos possíveis e imagináveis das operações.
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