O jornal Folha de S. Paulo de domingo, 21/02/2010, noticiou um fato curioso, posteriormente confirmado por Marcos Vinícius Neder, subsecretário de Fiscalização da Receita Federal do Brasil. Curioso no que revela da ideologia que permeia a Administração Tributária nacional.
Trata-se do conteúdo da portaria RFB/Sufis nº 3.324, de 23/12/2009, ato normativo por meio do qual o subsecretário determina que o comando da Receita vai dizer quais são as grandes empresas que serão fiscalizadas daqui por diante. Agora, nenhuma das delegacias fiscais do país tem autonomia para estabelecer a própria agenda de trabalho, o que significa que nenhuma delas poderá agir isoladamente contra grandes contribuintes se estes não estiverem previamente citados numa relação adrede preparada pelo andar de cima.
Amputar a autonomia das delegacias fiscais no determinar quem fiscaliza quem e quando já seria suficientemente estranho num contexto em que a descentralização administrativa serve justamente para que a máquina funcione independentemente do poder de turno e de influências políticas diversas, mas há outro aspecto interessante. Aliás, dois.
O primeiro aspecto interessante é que a portaria RFB/Sufis nº 3.324/2009 não foi publicada no Diário Oficial da União nem consta no site da Receita Federal do Brasil, só na intranet da RFB. A ofensa ao princípio da publicidade dos atos administrativos não parece deter o autor do petardo, que também não se preocupa em transformar os delegados locais, justamente os que conhecem os contribuintes de perto e normalmente sabem o que anda acontecendo e com quem, em meros cumpridores de ordens e preparadores de relatórios.
O outro aspecto interessante foi dado espontaneamente pelo próprio autor da portaria.
Sem pudores, e lembrando o ex-secretário Everardo Maciel, para quem contribuinte que conhece bem a legislação tributária nacional é certamente um sonegador, pois investir no conhecimento de tamanha complexidade é quase trair-se nesta intenção, o atual subsecretário deixou claro que seu objetivo com a portaria é “aumentar o índice de acerto do órgão”, que admitiu já ser de 90%.
“Eu preciso de setores que trabalhem essas informações (dados dos contribuintes), para que o fiscal, ao sair para a fiscalização, saia com efetividade, para não perturbar aquele que tem as contas em dia, aquele bom contribuinte”. (in “Centralização eleva eficácia, afirma Receita”, artigo publicado na Folha de S. Paulo de 21/02/2010, caderno Dinheiro).
Em bom português, ele disse o seguinte: ao ser fiscalizado pela RFB, o contribuinte não está apenas cumprindo seu dever cívico e legal de fornecer ao fisco dados acerca de suas atividades econômicas com o objetivo de obter homologação formal de seus registros contábeis e fiscais, mas foi exposto como mau contribuinte, como alguém que não tem as contas em dia, ou não seria alvo da Receita.
O sossego, segundo o subsecretário de Fiscalização da Receita, é garantido apenas aos escolhidos, apenas a quem a RFB julga, sabe-se lá por que critérios e razões, “bons contribuintes”, “os que tem as contas em dia’.
Condutas assim certamente não ajudam a já desgastada relação fisco contribuinte.
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