Em 13/02/2007, foi publicado o Decreto nº 6.042, que altera o Regulamento da Previdência Social (RPS) para disciplinar a aplicação, acompanhamento e avaliação do Fator Acidentário Previdenciário (FAP) e do Nexo Técnico Epidemiológico (NTEP) na definição da alíquota aplicável ao cálculo do Seguro de Acidente de Trabalho (SAT).
Objetivamente, significa que a alíquota do SAT das empresas, que é hoje de 1%, 2% ou 3%, pode até dobrar a partir de julho de 2007 segundo critérios complexos, alheios ao seu controle e, principalmente, determinados por mero ato normativo, espécie a que pertence o decreto presidencial. A previsão de que haveria um multiplicador da alíquota de contribuição ao SAT, aliás, não vem da Lei nº 8.212/91, que trata das fontes de custeio do Regime Geral da Previdência Social (RGPS), mas da Lei nº 10.666/2003, aplicável aos cooperados associados a cooperativas de trabalho ou de produção.
Daí que mesmo que prevaleça o entendimento de que mero ato normativo possa de fato determinar o fator multiplicador que, na prática, é que estabelece a alíquota aplicável à base de cálculo e determina o valor da contribuição ao SAT – e o exemplo já vem de antes, pois outro ato normativo é que esclarece qual é grau mínimo, médio e máximo de risco – não é razoável aceitar que a previsão do fator multiplicador origine-se não da Lei nº 8.212/91, mas de lei específica para trabalhadores cooperados.
Sobre o mesmo tema já havia sido publicada a Resolução do Conselho Nacional de Previdência Social nº 1.269, de 15/12/2006, que aperfeiçoa a metodologia para a flexibilização das alíquotas de contribuição destinadas ao financiamento do benefício da aposentadoria especial e daqueles concedidos em razão do grau de incidência de incapacidade laborativa decorrente dos riscos ambientais do trabalho.
O MPAS diz buscar justiça fiscal, pois alardeia que não seria justa a cobrança de mesma alíquota para empresas de um mesmo setor, independentemente dos investimentos em segurança no ambiente de trabalho, que leva em consideração os fatores freqüência, gravidade e custo de acidentes de trabalho. Assim sendo, não se tomaria mais como parâmetro a Comunicação de Acidente de Trabalho – CAT, eis que, de acordo com o CNPS, a sua utilização poderia beneficiar as empresas que sonegassem a emissão de tal documento. O parâmetro encontrado para embasar a nova metodologia foi o registro de diagnóstico – Classificação Internacional de Doença (CID) – do problema de saúde que motivasse solicitações de benefícios junto à Previdência Social.
Nesse ponto, importante esclarecer que a comunicação de doença por meio do CAT, diferentemente do CID, influencia tão-somente na caracterização, como acidentária ou previdenciária, da natureza da prestação de benefícios pelo INSS. A utilização do CID apresenta desvantagens: o CID não apresenta só as doenças decorrentes de acidentes de trabalho, engloba também qualquer enfermidade a que o empregado estiver acometido. Questão essencial que se põe diz respeito à distinção entre quais os benefícios, com um mesmo CID atribuído, guardam ou não associação com o fato de o segurado pertencer a um empreendimento de um determinado CNAE.
Além do ponto central levantado – o fato de a previsão legal do fator multiplicador ser originado não da Lei nº 8.212/91, mas da Lei nº 10.666/2003 – o decreto em comento estabelece critérios aparentemente irregulares. De acordo com a referida norma, a fixação de alíquotas do SAT levaria em consideração não só os acidentes de trabalho e as doenças profissionais stricto sensu, mas todas as causas de morbidade e mortalidade presentes na população de trabalhadores de cada empresa e, principalmente, de cada ramo de atividade.
Haveria, então, o implemento do chamado Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário – NTEP, que consiste em uma relação entre o Agrupamento CID e o CNAE da empresa. Por meio de um cálculo probabilístico, identificar-se-ia quais doenças e acidentes estão relacionados com a prática de uma determinada atividade profissional. Tal cálculo levaria por base todos os empregados registrados no Cadastro Nacional de Informações Sociais pertencentes ao CNAE-classe e o número de casos registrados com o agrupamento CID sob teste. Com a adoção dessa metodologia, o empregado que contrair enfermidade relacionada à sua atividade profissional livra-se do ônus de ter que comprovar o nexo de causalidade entre uma e outra. Há inversão do ônus da prova.
A metodologia apresenta, no entanto, falhas que inevitavelmente conduzirão a resultados prejudiciais às empresas. É sabido que o estado de saúde de uma pessoa depende de uma série de fatores (naturais, genéticos, econômicos) que podem ou não ter relação com o ambiente de trabalho. O perfil adotado é equivocado quando ignora a multicausalidade da moléstia, bem como questões como a possibilidade da doença ter sido adquirida em emprego anterior.
Outra questão ainda que se põe é a da contraposição de presunções, não se tendo, ao certo, qual prevaleceria, se a presunção do NTEP ou presunção de salubridade de ambiente de trabalho decorrente do fornecimento de EPI aprovado; nem a quem caberia o ônus da prova da (in)eficiência do equipamento de proteção.
É sabido que as empresas são responsáveis pela manutenção de seu ambiente de trabalho, sendo que, quando não fornecem EPI’s, ou mantêm o ambiente laboral em condições hostis ao trabalhador, recai sobre elas a culpa dos danos causados à saúde do empregado. No entanto, a presunção adotada pelo NTEP, ao dispensar o empregado da comprovação do nexo causal, afasta também a necessidade de comprovação de culpa do empregador, devendo o mesmo apenas demonstrar a existência de determinada moléstia, que, se combinada com determinada classe CNAE, praticamente lhe garante o direito ao benefício.
O novo decreto ignora premissa básica da responsabilidade civil por dano, qual seja, a da comprovação de (a) existência de dano; (b) conduta do agente e, especialmente, (c) prova do nexo de causalidade entre o dano e a conduta do agente. Com o NTEP, a mera comprovação de dano pode caracterizar responsabilidade civil do empregador, ou seja, a existência do dano, por si só, já indicaria automaticamente que o empregador é o responsável pela sua causa.
O cálculo da nova alíquota da contribuição ao SAT, portanto, além de decorrer de mero ato normativo (decreto), é resultado de complexa fórmula matemática, o que evidentemente dificultará às empresas questionarem os valores aos quais estarão sujeitas. Para ser ter uma idéia, o cálculo do FAP, de acordo com a Resolução nº 1.269/2006, será feito utilizando “técnica de discriminação estatística a partir dos coeficientes tridimensionais padronizados das empresas.” Compreensível para estatísticos, mas não para administradores, contadores, advogados e juízes.
De qualquer forma, a majoração da alíquota do SAT a partir de julho de 2007, fato que pode até dobrar a despesa mensal da empresa com esta exação, pode ser questionada judicialmente não só por conta da falta de clareza dos critérios para sua definição mas também porque, na prática, parte do pressuposto que mero ato normativo possa fazê-lo.
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