Movido pela necessidade de responder rapidamente à perda da arrecadação provocada pela não renovação da CPMF no fim de 2007, o Presidente da República editou dois decretos (nºs 6.339, de 3/1/2008 e 6.345, de 4/1/2008), por meio dos quais elevou as alíquotas do IOF, de modo geral, em 0,38%. Além disso, instituiu adicional de idêntico percentual em todas as operações abrangidas pelo IOF, que passam a incidir inclusive sobre as tributadas à alíquota zero.
Não há como evitar a pecha de inconstitucionalidade dos decretos que majoraram o IOF. Mais dia, menos dia, o Supremo Tribunal Federal terá de confirmá-la por evidente desvio de finalidade. O Presidente da República, desastradamente aconselhado por quem devia conhecer a lei e a Constituição Federal, cometeu ato de improbidade quando se fundou no § 1º do art. 153 desta última para aumentar receita tributária valendo-se do IOF. Ato de improbidade é tema do art. 11, I da Lei nº 8.429/92, significa “praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência”.
Isto porque o IOF, assim como o IPI, o II e o IE, são impostos regulatórios; a resposta que dão nos níveis de arrecadação são efeitos colaterais quando cumprem a função que lhes cabe, que é a de fazer sintonia fina de setores específicos da economia que, por alguma razão, encontram-se temporariamente descalibrados. Na condição de impostos regulatórios que são, e em função disso, a CF/88 dispensa burocracias e limites exigidos dos demais tributos e garante seu aumento (ou diminuição) imediata, bastando a edição de ato normativo por parte do Poder Executivo. Mas é evidente que esta facilidade tem seu preço: é preciso que fique claro, na edição do ato administrativo, o motivo que levou seu editor à calibragem do imposto.
Nenhum dos dois decretos, porém, ostenta as razões do aumento. A única coisa que há de certo sobre a majoração é que foi feita em decorrência da perda da arrecadação pela derrota do governo no Congresso Nacional. Ninguém no governo, aliás, tentou esconder esta evidência, nem tenta.
É de rigor registrar que a única forma de avaliar a oportunidade e conveniência de um ato administrativo como este – saber se a motivação do aumento é de fato responder à necessidade de regulação setorial – é analisar o que registra a Exposição de Motivos que deveria (deveria!) ter vindo junto com o decreto. Mas ela não veio.
Mas não se sabe o que é pior: se é a falta de motivação para o ato administrativo no momento de sua edição ou se é a posterior atuação dos membros da AGU, que explicitam nas respostas às ADIN’S já ajuizadas que o motivo é mesmo a perda da arrecadação causada pela não renovação da CPMF. Quando deve justificar, o governo se omite; quando finalmente traz à luz suas motivações, troca os pés pelas mãos e, na maior desfaçatez, admite-se valendo do velho jeitinho de sempre para escorchar os contribuintes.
O que não dá pra conciliar é o velho açodamento de sempre do governo quando quer aumentar a receita e o visível descontrole que demonstra ter de suas próprias contas. A suposta perda de arrecadação pela extinção da CPMF estaria – como de fato está; a própria AGU o admite à luz do dia, para quem quiser ouvir e ler – na origem do aumento do IOF, mas a imprensa não se cansa de anunciar que, mesmo sem a CPMF, a arrecadação do governo federal só faz crescer. No primeiro trimestre o aumento já é de 13% – já descontada a inflação – e somou R$ 162,5 bilhões. Em março, a receita foi de R$ 51 bilhões, 7,7% maior do que a de março de 2007.
Desmascara-se, assim, ao mesmo tempo, a motivação do governo e a certeza de que ele conhece as contas públicas como deveria mesmo conhecer: a intenção não era, nem de longe, repor perdas com a perda das receitas da CPMF, mas continuar batendo recordes após recordes de superávit primário, nada mais.
Além disso, com mais esta demonstração de primarismo administrativo com que lida com o bolso do contribuinte, o governo federal demonstra que não conhece os números elementares da economia, deixa de motivar ato administrativo quando ele é da essência no caso em questão, dá motivo inconstitucional quando é obrigado a fazê-lo e, pouco adiante, a imprensa divulga que nem o motivo que dá é real, pois não casa com a realidade dos fatos.
Outra demonstração de que o governo federal aumenta impostos apenas como uma espécie de reação atávica altamente compensadora para esvaziar o bolso do contribuinte, visivelmente mais interessado hoje em trabalhar e produzir do que brigar a cada novo assalto tributário, confira na imprensa em geral o que já está ficando a cada dia mais óbvio: a CSLL dos bancos renderá cinco vezes mais do que o governo federal previu que renderia. Isso mesmo.
Segundo matéria no jornal Folha de S. Paulo, a alíquota maior da CSLL para o setor financeiro ainda não começou a ser cobrada, mas a arrecadação do tributo já cresceu 18,8% nos três primeiros meses deste ano na comparação com igual período de 2007, chegando a R$ 11,1 bilhões. Se esse desempenho se mantiver pelos próximos meses, o tributo poderá render R$ 45 bilhões aos cofres públicos neste ano.
O aumento da CSLL dos bancos está na mesma raiz da perda de arrecadação com a CPMF, mas o governo previa arrecadar com a providência “apenas” mais cerca de R$ 2 bilhões. Ocorre que, a continuar o ritmo de arrecadação, a receita será de cerca de R$ 10 bilhões a mais.
De qualquer maneira, é fato que o aumento da alíquota do IOF, por desvio de finalidade, é inconstitucional. Os contribuintes têm, assim, motivo justo e suficiente para brigar judicialmente pela manutenção da tributação nos níveis anterioes aos decretos.
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