Não é raro encontrar trabalhadores dispensados de registrar o ponto quando exercem suas atividades fora das empresas, mesmo tendo o empregador mais de 10 empregados (§ 2º do art. 74 da CLT) e mesmo não sendo estes exercentes de cargos de gerência (inciso II do art. 62 da CLT).
A CLT diz genericamente no inciso I do art. 62 que estão dispensados do controle de jornada “os empregados que exercem atividade externa incompatível com a fixação de horário de trabalho”. Com base neste dispositivo, o empregador costuma dispensar-se de controlar a jornada de trabalho de seus empregados que trabalham fora assim que nota haver algumas dificuldades, ainda que mínimas (e sempre as há). Só que não é assim que funciona.
A grande maior parte das atividades exercidas fora da empresa pelo trabalhador não o dispensa do controle de ponto, até porque isso não evita que ele trabalhe em regime de sobrejornada, e sem registro de sobrejornada não há como saber quantas horas extras pagar, ou pior, não há como contestar exageros.
O fato de o empregado ser motorista de entregas, por exemplo, ou operador de máquinas cedido para trabalhar no estabelecimento do contratante do empregador, não significa que o empregador não possa ou não deva controlar-lhe a jornada. Quando o empregador acredita não ser confiável o ponto controlado pelo próprio funcionário, está levando no problema para outra seara, que é a da fidúcia, resolvível no campo do poder disciplinar. Mas controle de jornada, nestes casos, se deve fazer, sempre, conforme parágrafo único, do art. 13, da Portaria nº 3.626, de 13/11/1991, do Ministério do Trabalho e Previdência Social.
Atividade externa incompatível com fixação de horário de trabalho é coisa diversa, e está umbilicalmente vinculada à maneira com que o trabalhador produz os serviços ou os resultados que são objeto da contratação. Explico.
Em primeiro lugar, é essencial que se registre, desde já, que o fato de a CLT não fazer nenhuma referência às incompatibilidades de controle não deixa de ser sintomático: de fato, apenas no caso concreto é que se poderá dizer se é ou não caso de atividade incompatível com o controle de jornada. Os tribunais pelo País afora não são unânimes sobre a questão – produz-se muita jurisprudência desencontrada, aliás – e o Tribunal Superior do Trabalho não tem conseguido apaziguar a questão, até porque, como o assunto sempre depende de provas no caso concreto, não lhe é dado revolver questões fáticas para pronunciar-se.
Mas há algumas dicas importantes para resolver a questão, ou pelo menos para direcionar corretamente a solução, senão vejamos.
Se o contrato de trabalho visa à prestação de serviços com a presença física do trabalhador em determinado local por certo tempo, exige-se controle de jornada. Se o que o contrato de trabalho visa, porém, é o atingimento de metas, a entrega de resultados, ao cumprimento de empreitadas de trabalho, independentemente do momento, do modo e do local em que o trabalhador exerce suas atividades, o controle de jornada está dispensado.
Quando chegamos a esta conclusão, vemos que os casos em que se pode dispensar o controle de ponto com base no inciso I do art. 62 da CLT não são tão comuns como se imagina. É comum ouvir de empregadores a explicação de que “não tem como controlar” o horário exato em que o seu empregado (por sair de casa, por exemplo, diretamente para o endereço do cliente onde tem de prestar serviços) chega no local de trabalho.
Ora, mas o fato de o empregador exigir que ele esteja no estabelecimento do cliente todos os dias, e que cumpra o seu trabalho ao longo de certo horário, significa que deve exercer algum controle, ou acabará por perder o próprio cliente. E direta ou indiretamente, o empregador tem, sim, como saber se o trabalhador de fato compareceu no estabelecimento do cliente, se ele prestou corretamente os serviços, se ele cumpriu o número de horas contratadas, se fez as tarefas com assertividade e pontualidade, se ele não abandonou o seu posto antes da hora, se foi diligente ou se comportou com desídia etc.
Totalmente diversa, porém, é a situação do trabalhador a quem o empregador pode legalmente dispensar o controle de jornada. Este trabalhador não difere daquele de quem se exige o controle de ponto apenas por exercer sua atividade fora da empresa, como sugere o inciso I do art. 62 da da CLT, mas porque, além de exercer externamente suas atividades, o objeto de seu contrato de trabalho e o modo de atingi-lo são diferentes do comum.
O trabalhador a quem se dispensa o controle de jornada é contratado para atingir metas cumprindo sua atividade quando bem entender, segundo seus próprios métodos e no lugar que achar mais conveniente: fechar determinado volume de vendas, visitar determinado número de clientes, cadastrar novos estabelecimentos para convênios, finalizar determinados projetos recebidos, conceber e apresentar novos projetos e idéias, e ainda escrever biografias, produzir reportagens, escrever relatos de viagens, artigos para revistas etc. O objeto de seu contrato não é carga horária, mas resultados mensuráveis, não importa o modo como os atinja.
É preciso apenas tomar o cuidado, porém, para não tomar o “quando bem entender” como critério absoluto: quando, pelo produto entregue (objetivo alcançado) pelo trabalhador, puder se concluir que não é razoável que tenha sido atingido ao longo da(s) jornada(s) normal(is) de trabalho, por óbvio que se estará diante de uma reclamação potencial de jornada extraordinária.
Postas assim as coisas, fica fácil de ver que a incompatibilidade de fixação de horário de atividade externa está ligada ao modo como o trabalhador a exerce, e só cabe, devendo esta particularidade ser claramente lançada na CTPS, quando o trabalhador tem autonomia, apesar de empregado, para determinar quando, como e onde cumpre suas tarefas.
Isto atrai duas características peculiares às atividades incompatíveis com o controle de jornada: a primeira é que a remuneração do trabalhador, na grandessíssima maior parte das vezes, varia conforme os resultados apresentados em determinado período, e é composta de uma parte fixa e outra variável.
A segunda característica diz respeito às respostas complementares que se devem obter do empregador e do empregado quando postos diante de uma tecnologia qualquer que permita quantificar a jornada de trabalho, de forma segura, rápida, barata e infalível. O trabalhador deve dizer sempre: “não quero”, e o empregador, por sua vez, deve perguntar: “pra quê?”.
Como se vê, não é tão simples nem tão comum.
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