Não é propriamente novidade. Ceifando desde já a expectativa de quem esperava encontrar resposta diferente da óbvia, adianta-se que quem paga a conta, como sempre, é o contribuinte. De renúncia fiscal, o novo regime tributário das micro e pequenas empresas não tem absolutamente nada. E a conta a ser paga pelos de sempre é alta, e garante-se também desde já que vai ser paga com um bom adicional. Neste caso analisado, quem vai pagar é o comerciante, o contribuinte de direito de IPI e ICMS que adquirir mercadorias e serviços de contribuintes inscritos no Simples Nacional. Explico.
Aos poucos, vêm sendo inseridos no ordenamento jurídico nacional alguns comandos cuja repetição lhes dá um ar de corriqueira normalidade, como se exibissem uma coerência simples e natural. Os contribuintes que optarem pela sistemática do Simples Nacional, por exemplo, não poderão transferir créditos de Pis, Cofins, IPI e ICMS. Não se aprofundará a questão da não cessão de créditos de Pis e Cofins porque o regime de sua não cumulatividade não é regido pela Constituição, mais por leis que lhes criou não cumulatividade com mais distorções do que seus dois primos mais velhos acumularam em décadas.
A explicação para haver dispositivo vedando a cessão de créditos de ICMS e IPI por parte dos contribuintes inscritos no Simples Nacional, de qualquer forma, é aparentemente razoável: não cedem porque não pagam estes tributos no montante dos créditos que cederiam, justificativa que traz embutida a memória do toma-lá-dá-cá: o Estado concede facilidades e em troca o contribuinte abre mão de direitos. Esta justificativa já cooptou até o Poder Judiciário. Advertimos, porém, que, como já ocorreu várias vezes nos últimos anos, não demora também o Judiciário se dá conta da “pegadinha” embutida no raciocínio e põe de novo ordem na casa.
A primeira coisa a chamar a atenção no dispositivo é que o IPI não conhece limitação constitucional alguma para que o crédito seja aproveitado. Se a Constituição Federal não veda, não cabe ao legislador vedar, ainda que sob a justificativa de, digamos, “um bem maior”, ou regime jurídico especial. O ICMS, por seu turno, só exige extinção do crédito nos casos de isenção ou de não incidência. Na Constituição Federal não se refere a renúncia obrigatória de créditos nos casos em que o fornecedor da mercadoria está inscrito neste ou naquele regime jurídico especial.
A segunda coisa a chamar a atenção no dispositivo é que a vedação legal, atinge terceiros, ou seja, contribuintes que não optaram pela sistemática da LC nº 123/2006. O optante pela sistemática compreende e aceita a vedação, pois trata-se de lógica intrínseca ao regime por que optou: como e por que creditar-se se, para ele, o débito é apurado segundo critérios que avaliam sua capacidade contributiva, que, por sua vez, é definida por níveis de faturamento, segmento de mercado de atuação e capacidade de geração de empregos?
Basta dar um passo adiante, porém, que a aparente razoabilidade desta justificativa rui e mostra que de sensatez e lógica não tem nada: se o contribuinte que adquirir mercadorias de inscrito no Simples Nacional não se creditar do ICMS havido nesta operação, quando revendê-las vai fazer incidir o ICMS sobre o preço total da mercadoria, não apenas sobre a margem que agregou. O ICMS vai deixar de ser não cumulativo e passa a ser cumulativo.
Faça as contas e veja como é simples. Imagine uma alíquota de ICMS de 18% sobre as operações do exemplo a seguir. O comerciante compra uma mercadoria por R$ 100 e a vende por R$ 150. Com os 18% de crédito da aquisição, abate R$ 18 (ou 18% sobre R$ 100) dos R$ 27 de débito pela venda (ou 18% sobre R$ 150). Aplicando o regime jurídico de apuração ínsito à não cumulatividade, temos a seguinte conta a fazer: R$ 27 (débito) – R$ 18 (crédito) = R$ 9 (valor a recolher). Ora, esses R$ 9 a recolher são exatamente os 18% referentes à margem de R$ 50 que ele agregou ao produto (18% sobre R$ 50 = R$ 9).
O ICMS é chamado de não cumulativo exatamente por isso, ou seja, porque cada elo da cadeia comercial que empurra continuamente a mercadoria do produtor até o consumidor final vai agregando sua margem e recolhendo ao Fisco o imposto incidente sobre esta margem na operação de que participa, até que, no fim, o consumidor final, também chamado de contribuinte de fato, é que sofre a integral repercussão fiscal do ICMS. É regime jurídico de apuração que visa a neutralizar o efeito do imposto em cascata, seu opositor.
E o que ocorre no caso dos adquirentes de mercadorias de fornecedor inscrito no Simples Nacional? Eles pagam, do próprio bolso, tudo o que o Estado diz estar “renunciando” em benefício do fornecedor, em prejuízo de seu capital de giro. Quer ver como isso funciona? É tão simples quanto não o é o novo regime, senão vejamos.
O mesmo comerciante do exemplo compra por R$100, desta vez de um inscrito no Simples Nacional, mercadoria que vende pelos mesmos R$ 150. Agora, lembre-se: ele não terá direito ao crédito, pois a LC nº 123/2006 veda o que seria transferido pelo seu fornecedor. Assim, o ICMS devido pela venda continua sendo de R$ 27 (ou 18% sobre R$ 150), mas como o crédito dele é zero, terá de recolher os R$ 27 mesmo.
Agora faça as contas e responda: se o comerciante só adicionou R$ 50 ao preço da mercadoria que adquiriu ao vendê-la por R$ 150, é justo, legal ou constitucionalmente defensável ser obrigado a pagar R$ 27 de ICMS? É óbvio que não! Pois é isto que ocorre quando o crédito não é transferido.
A alíquota de ICMS, para o contribuinte de nosso novo exemplo, adquirente de mercadorias de fornecedores inscritos no Simples Nacional, deixou de ser a de 18% do exemplo anterior (ou R$ 9 de imposto sobre margem de R$ 50) e virou… 54% (ou R$ 27 de imposto sobre a mesma margem de R$ 50).
E é preciso lembrar, ainda, que o contribuinte inscrito no Simples Nacional ainda tem de recolher a parte dele, porque não há isenção de ICMS, mas redução. O exemplo, simples, demonstra que não só não há renúncia fiscal alguma, como vai haver aumento de arrecadação, que sairá do bolso dos comerciantes, industriais e prestadores de serviços. Como sempre.
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