Muitos secretários das Fazendas Municipais defendem ponto de vista segundo o qual a Lista de Serviços anexa à Lei Complementar (LC) nº 116/2003, que diz quais são os fatos geradores de ISS, seria apenas exemplificativa. Entendem que podem tributar de ISS todos os serviços não tributados de ICMS (ou seja, tudo que não seja serviço de transporte intermunicipal e de comunicação), mesmo não estando na lista. Defendem este ponto de vista citando Kiyoshi Harada e Misabel Machado Abreu Derzi, dentre outros, e não apenas para aos casos de interpretação sistêmica e integrativa das expressões “e congêneres” (necessária nos grupos 4, 5 e 6 da Lista, por exemplo), mas para alcançar todos os serviços possíveis e imagináveis.
Esta interpretação, defendemos, não tem fundamentos legais nem constitucionais. Devemos render, sempre que possível, homenagens aos doutrinadores citados, mas não é por ostentarem o conhecimento jurídico que ostentam – que é vasto e reconhecido – que não podem errar, e fragorosamente. O fato, porém, é que a defesa deste ponto de vista deixa sem resposta a seguinte pergunta: por que o legislador federal se daria ao trabalho de minudenciar os fatos geradores de ISS desde a primeira edição da Lista de Serviços, o que fez por meio do Decreto-lei nº 406/68, se a intenção não era respeitar os cânones constitucionais, privilegiar o princípio da legalidade na seara tributária, criar meios de defesa ao contribuinte e, por que não?, impor limites à conhecida voracidade do Fisco municipal?
Vamos citar o exemplo do item 7.02 da Lista de Serviços, o que diz que a execução de obras civis é fato gerador de ISS sempre que for cumprida sob a forma de contratação por terceiro, ou seja, sempre que o executor for contratado para fazê-la ou quando, contratado, subempreitar para outro executor. A razão para isso é clara: quando é o próprio dono da obra que executa, não há ISS pelo simples fato de quem ninguém presta serviço para si mesmo.
Pois muitos Secretários Municipais das Fazendas, compreensivelmente adeptos da interpretação extensiva da Lista, defendem – e muitas vezes encontram ressonância nos tribunais – que não é só neste caso que a execução de obra civil é fato gerador de ISS, mas em todo e qualquer caso. “O fato de ser tocada pelo próprio dono da obra é irrelevante, o importante é haver incidência de ISS, mesmo porque ela não é tributada de ICMS”, é o que pensam.
Um comentário inicial talvez explique a defesa desta interpretação extensiva por parte de ambos os doutrinadores citados. Tanto Harada quanto Mizabel Derzi são unidos por um liame profissional inequívoco: ambos militam ou militaram em favor dos municípios, justamente os sujeitos ativos do tributo cuja ampliação do raio de incidência defendem. Harada é procurador aposentado do Município de São Paulo, foi diretor do Departamento de Desapropriações e também Procurador-Chefe da Consultoria Jurídica da Procuradoria-Geral do Município; Mizabel Derzi, por seu turno, é Procuradora-chefe da Prefeitura de Belo Horizonte e nunca escondeu sua defesa pela ampliação da lista de serviços.
Mas vamos aos argumentos.
A Constituição Federal (CF) e o Código Tributário Nacional (CTN) determinam que apenas lei pode instituir tributos, definir seus fatos geradores, e fixar alíquota e base de cálculo. Não qualquer lei, mas lei complementar. E mais, o 1º do art. 108 do CTN diz que analogia não pode servir para transformar o que não está na lei em desculpa para exigir tributo novo.
É de rigor reconhecer, por outro lado, que incluir na lista de serviços um item que não foi originalmente previsto na LC nº 116/2003, indubitável e necessariamente, significa legislar sobre direito tributário. Isto é evidente, pois significa criar novo fato gerador, que traz, para o raio de sujeição passiva do imposto municipal, novos contribuintes (os que prestam o serviço que passará a ser considerado fato gerador), de quem vai se exigir o imposto sobre nova base de cálculo (o preço do serviço prestado) dimensionado por nova alíquota (mínimo de 2%, máximo de 5%). Quanto a isto não pode haver dúvida alguma. Estender a lista é inovar, é instituir novo fato gerador, novo contribuinte, nova base de cálculo e nova alíquota.
Uma vez reconhecido, portanto, que incluir item na lista é legislar em direito tributário, é de rigor reconhecer outra evidência: o Município não tem competência para legislar sobre esta matéria, que é de competência dos Estados, Distrito Federal e União, segundo o inciso I do art. 24 da CF. Basta ver ali o que resultou da distribuição de competência para legislar em matéria tributária: os Municípios foram excluídos pelos constituintes. Não podem legislar sobre a matéria.
Daí que, se a Lista de Serviços anexa à LC nº 116/2003 só pode ser alterada por lei, de natureza complementar e oriunda do Congresso Nacional ou das Assembléias Legislativas distrital ou estaduais, por óbvio que ela não é exemplificativa, mas taxativa. Se fosse exemplificativa, sim, poderia ser acrescida e alterada ao bel-prazer das fazendas municipais, sem formalidade alguma, bastando que se apresentassem juntos a criatividade do intérprete e a necessidade de arrecadar mais. Seriam criados sem formalidade alguma novos fatos geradores, e muitos contribuintes seriam tornados sujeitos passivos de ISS, que passaria a incidir sobre preços dos serviços transformados em bases de cálculo as mais estapafúrdias. Mas não é assim, como se vê.
Daí se conclui que até para fantasiar sobre aumento de arrecadação de ISS os Municípios devem manter os pés plantados no chão, fazendo-o por meio de ampliação, sim, não da lista, mas do aparelho de fiscalização.
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